domingo, 25 de maio de 2008

O som das pás a atirar terra para cima de um caixão de carvalho, na chuvosa tarde de outono poderia parecer-lhe familiar, acolhedor até, não fosse o ocupante do caixão ser ele.
Privado do minimo movimento pelo veneno paralisante injectado nas suas veias, privado da própria memória de tudo quanto fosse anterior á picada, dado como morto, preso á consciencia aterradora de viver todo o processo sem ninguém se aperceber de que ele estava, ainda que por quanto tempo fosse uma incógnita para ele, vivo, ele aguardara todo o processo com uma raiva passiva. Já só queria que se despachassem. Não podia mexer um musculo, não podia pedir ajuda, não podia falar. Desde que lhe fecharam as palpebras não podia ver. Só ouvia. Ouvia tudo atentamente. Coisas que não sabia até aquele momento terem som, sons mais distantes que antes lhe teriam sido negados. Conseguia ouvir o corvo na mata ao fundo da colina no topo da qual estava a ser enterrado. Conseguia ouvir o riacho, os passos a partir do cemitério, o vento por entre as campas. O coveiro a pensar alto para si o que fazer no dia seguinte. Até que até o coveiro acabou o serviço. E os seus passos desapareçeram do espaço do cemitério.
Agora estava ali sozinho. O seu corpo paralisado mal apenas precisava do suficiente para manter vivos os seus orgãos vitais, o que estava a provar ser menos do que ele esperava.
Restava-lhe esperar...

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