segunda-feira, 14 de julho de 2008

Era tão pequena que ninguém reparou nela. Uma pequena racha com apenas alguns milímetros. Não podia ser importante. Não chamava a atenção.
Mas cresceu há medida que o peso que o pilar suportava aumentava de dia para dia, de hora para hora. Imperceptível a olho nu, escapou-se de qualquer exame minucioso. Não havia necessidade, afinal, tudo parecia estar bem.
Até que corrompeu toda a estrutura. Qual vírus desconhecido propagou-se invisível. Propagou-se sem causar estragos. Até que se activou. Até que um pequeno pedaço apanhado entre duas das ramificações se escapou e caiu, levando consigo todo o resto do pilar principal. Sem a sua base, a estrutura ruiu. Desfez-se em ruínas e pó numa implosão inaudível. Não havia ninguém por perto para a ouvir. Como de costume, toda a gente estava demasiado ocupada com algo supostamente importante para reparar.
Procuraram depois, a intervalos de tempo irregulares, conforme a necessidade de apoio daquele templo onde tudo parecia sempre tão perfeito, e no lugar do seu paraíso encontraram uma pilha de pó e pedras quebradas sobre o jardim da mágoa. O seu refugio havia sido destruído por algo que nunca ninguém chegaria a perceber. As mudas ruínas levaram consigo as palavras doces inscritas nas paredes, tornando-as ilegíveis e indecifráveis. As ruínas sangravam pó de rubi outrora incrustados nos pilares.
Tristeza, melancolia e quase indiferença eram as reacções comuns nos supostos peregrinos. A palavra não se espalhou. Os fieis choraram em silencio a sua falta de atenção, enquanto os opositores se regozijavam na ilusão de que algo esquecido que tivessem feito pudesse ter levado à queda do templo.
Mas apenas uma alma perdida sabia a verdadeira história. Um corpo que assistira de dentro à implosão, consumido pela infecção que ninguém detectou, deixando para trás uma alma condenada a relembrar sem nunca poder partilhar com ninguém a queda do templo.
Uma alma que observou fieis e infiéis, incapacitada de intervir, consumida pela fúria, o ódio e a mágoa...
Condenada a apontar o dedo em silencio do fundo dos sonhos mais negros ao responsável pela rachadura original. Condenada a ser ignorada como um fragmento da imaginação descontrolada de alguém que dorme profundamente... Condenada a esperar que alguém alguma vez aprenda a ler o seu silencio forçado... A esperar que alguém aprenda as palavras mágicas para o quebrar, para finalmente poder partilhar as razões por todos os outros desconhecidas para a queda do antigo templo que continha no seu seio o jardim da mágoa.
Com o tempo até ela esquecerá... e a eternidade é bastante tempo para poder esquecer... Talvez no esquecimento encontre a sua paz final...
A eternidade o dirá...