sábado, 3 de novembro de 2007

Onze e dez da noite. Sexta-feira. Dentro de cinquenta minutos ela faria os seus dezoito anos. A maioridade. Sonho de uma vida de adolescente. Claro que isso merecia uma festa. Uma grande festa. A noite estava por sua conta, e das suas amigas. Ela sorria ao pensar. Ao virar da esquina, uns passos mais à frente, elas esperavam-na dentro do clube nocturno escolhido para a grande celebração. Atrasada... “Que se lixe, sou eu a aniversariante.Posso chegar um pouco mais tarde, não preciso chegar na hora de abrir.”
As ruas desertas, a calma apenas perturbada pelo ocasional carro que passa a esta hora... Nesta zona da cidade, á noite, as ruas percorriam-se a pé, de clube para clube, de bar para bar. Estava tudo calmo ainda. A maioria chegaria depois da meia noite, após umas voltas por tascas e bares, antes do extase da noite, do sitio onde acabariam a divertir-se.
Ela parou num pequeno pátio junto á estrada. Sentou-se no degrau da porta de entrada do centenário edificio, e procurou nos bolsos um cigarro. Com toda a calma, acendeu-o, e ficou a olhar o fumo levado pelo gélido vento de dezembro.
Na rua passava um grupo de jovens, da sua idade, ou pouco mais velhos. Distraidos na conversa animada, não reparam na jovem figura vestida de preto sentada a fumar.
Filipa observou-os, curiosa, observando alguns dos jovens do grupo. Dois deles são giros. “Boa noite para um flirt... talvez algum deles seja interessante.”
O grupo desapareceu da sua vista. Ela ouviu ainda os risos deles durante mais um pouco. Esforçou-se por perceber a conversa, mas era tarde demais, eles estavam longe.
Uma rajada de vento fê-la aconchegar-se melhor no seu longo casaco de cabedal. A saia curta, apesar de sensual, pouco ou nada protegia do frio que se sentia, e o top preto de alças também não era exactamente quente.
Ela atirou fora o cigarro, e percorreu lentamente os duzentos metros que a separam das amigas. À porta do clube, o porteiro sorriu-lhe e desejou-lhe uma boa noite. Ela parou um pouco antes de entrar.
“Qual é o som de hoje?”
“Industrial. É a tua primeira vez cá?”
“Sim. Espero divertir-me.”
“Acredita, vais gostar. Entra, e diverte-te. Isto hoje já está animado, o pessoal chegou mais cedo.”
“Viu uma rapariga loira, com dreadlocks? E uma morena que deve estar vestida de vinil?”
“Sim, entraram há pouco.”
“Boa noite, então.”
Ela inspirou profundamente antes de transpor a porta. Lá dentro, o ruido das conversas, ainda audivel, e a musica baixa provocaram-lhe um sentimento de relaxamento.
Filipa dirigiu-se à zona de mesas, onde as suas duas amigas a esperavam, fazendo planos, e observando os rapazes.
“Isto hoje promete. A Jo falou por aí com o pessoal, acho que isto hoje vai encher.” A voz da rapariga loira, amiga de Filipa.
“E falei com o Pulse, ele vai estar cá com os amigos todos. São sete, alguns deles bem giros.” Desta vez era a morena que anunciava com um sorriso malicioso as novidades. E, virando a cabeça para Filipa, acabada de se sentar junto a elas, exclamou com um sorriso ainda mais preverso. “Bem, Filipita, hoje é o teu grande dia. Ritual de passagem.” Ambas as amigas de Filipa se riram, partilhando um pequeno segredo, que Filipa, não estando habituada á vida noturna não percebeu.
A loira levanta-se e dirige-se ao balcão. “Onde vai a Dariel?”
“Já vais perceber...” O olhar era penetrante, um brilho perceptivel nos olhos da sua amiga.
“Raven...”
“Xiu. Hoje 'tás por nossa conta. Confias em mim ou não?” Novamente nos seus lábios se desenhou o mesmo sorriso perverso.
Entretanto Dariel voltou, seguida pelo barman, um rapaz moreno, nos seus vinte e cinco anos, carregando com agilidade uma bandeja, com três copos altos, cheios de um qualquer liquido vermelho.
“Meninas, hoje a Filipa passa a fazer parte integrante do grupo. Que comece o ritual.” Dariel e Raven riam abertamente, enquanto o barman colocava os copos em frente delas.
Quando ele pegou no terceiro copo, o de Filipa, a Raven interrompeu-o. “Hei, Diablo, não ouviste? Ritual rapaz...”
Ele sorriu, condescendente, e regressou ao balcão, voltando segundos depois com uma garrafa de vodka. “Relaxa.” A voz grave dele deixou Filipa na expectativa. Ele pousou a garrafa na mesa, e inclinou-lhe delicadamente a cabeça para trás. Dariel levantou-se e pegou na garrafa. Como se tudo tivesse sido combinado, a musica sobe de volume, a pista de dança abre. “Benvinda ao Clube!” E com estas palavras Dariel despejou uma boa dose de vodka sobre a cabeça de Filipa.
Na mesa ao lado ouviam-se palmas. Raven e Dariel abraçaram-na. “Vá, vai lá molhar esse cabelo, limpa isso, e vamos divertir-nos.”
Filipa dirigiu-se á casa de banho. Raven e Dariel para a pista de dança.
Ao regressar á mesa, Filipa reparou na mesa do canto. Um rapaz de cabelo preto, espetado, encontrava-se sentado, sozinho, a fumar um cigarro, de pernas cruzadas, encostado á parede. Filipa ficou por momentos a observá-lo, sentada, fingindo fumar também, mas o cigarro limitava-se a arder na sua mão, quase sem ela o tocar com os lábios.
A musica mudou. Ele apagou o cigarro e levantou-se, olhando na direcção dela. Ela continuava sozinha, sentada, o cigarro nos seus dedos, observando os movimentos dele.
Caminhando agilmente entre os varios grupos que entretanto se haviam juntado, ele dirigiu-se á mesa dela, baixou-se, ficando com os lábios junto ao ouvido dela. Tudo demorou apenas uns meros segundos...
“Conflict, de Azoic. Mix de Combichrist. Linda esta musica. Despe o casaco, vem, a pista espera-nos.” A voz dele era suave, melodica. Sem pensar ela seguiu as instruções dele, despindo rapidamente o casaco, e abandonando-o em cima da mesa. O ritmo intensificava-se. As batidas fortes do industrial pulsavam dentro dos corpos que se balançavam ao sabor da musica.
Ele pegou-lhe na mão, e levou-a mesmo para o centro. Soavam as primeiras vozes.
“Keep my perspective straight, keep me away from hate, keep my eyes... uncovered.”
A batida intensa, ela libertou-se, deixou-se fluir, quase em trance. “Ele é giro. Tenho que falar com ele, mas com a musica é quase impossivel.” Os pensamentos fluiam na sua jovem cabeça.
Soltou-se ao som da musica, observando o misterioso rapaz que dançava de olhos fechados á sua frente. “Ainda por cima dança bem...”
De repente, ele abriu os olhos, chamou-a com um gesto para se aproximar, e disse-lhe ao ouvido, em tom sonhador: “Fecha os olhos. Sente o som. Deixa que te guie.”
Ela seguiu o concelho. Durante quatro minutos, de olhos fechados, dançou como se tudo o que importasse no mundo fosse dançar.
Quando a musica acabou, sem uma palavra, sem um gesto, ele saiu da pista de dança, e voltou ao seu lugar, novamente sozinho, na mesa do canto.
“Onde foi ele? Que se passou? Desapareceu... Bem, vou beber o meu copo, e fumar um cigarro.” pensou.
Dirigiu-se á sua mesa, procurando as amigas. “Isto não é assim tão grande, onde estarão?” Olhou em volta, e encontrou com o olhar a Raven, conversando alegremente com um skin-head entroncado. “Bem, a Raven tá entregue...” E sorriu, cumplice da sua amiga. Também ela tinha os seus flirts, mas aqui, ela não sabia com quem se podia divertir, sem causar problemas.
Dariel chegou junto a ela, trazendo nas mãos dois pequenos copos de shot. “Bebe. É doce, mas forte.”
“Que raio é isto?”
“Confias em nós ou não?” disse a amiga, piscando-lhe um olho.
“Acho que não devia, mas vocês sabem divertir-se.” E despejou o copo de um unico trago.
“Bela companhia de dança que tinhas... Andas a fazer amigos é?”
“Nem o nome sei. Convidou-me para dançar, aceitei.”
“Menina, tem cuidado com ele. Mas apanha-o se puderes. Hahaha.” E riram, felizes. Era meia noite e pouco. Até pelo menos ás 4 aquele clube estava aberto. Depois logo se veria.
“Encontramo-nos ás 4 á entrada, ok?”
“Sim Fairy.”
“Fairy?”
“Gostas da tua nova alcunha?”
“É gira. Mas porquê?”
“Porque o pessoal perguntou-me quem era a minha amiga fadinha.” E soltando uma gargalhada, Dariel voltou para a pista.
Fairy ficou sentada, a fumar, observando ainda o seu estranho companheiro de dança. Fairy era sensual, e sabia bem disso. Sabia como mexer com os rapazes. Mas este, no entanto, era diferente. Reparou que apenas tinha olhado bem para o cabelo e para a face.
Começou a olhar para as roupas dele. Umas calças largas, de ganga preta, botas de motard, blusa de licra, justissima, deliniando um tronco bem exercitado. Na cabeça, umas googles com lentes ao estilo de bug shades, prendendo o cabelo na testa. Piercing no lábio, sobrolho, e orelhas. Teria tatuagens?
Ele levantou-se, e caminhou lentamente até ao DJ. Ela reparou que o pescoço dele estava envolto num cachecol, que lhe caia até aos joelhos, lembrando uma cauda ou algo assim, que se movia ao ritmo dos seus passos. “Interessante... acho que já ganhei a noite...”
Ele voltou ao seu lugar, calmamente. Sentou-se, puxou o maço de tabaco de um dos bolsos das calças, e tirou um cigarro e o isqueiro. “Vai fumar. Já sei como meter conversa.” E tirou do bolso do casaco outro cigarro, apagou o que tinha na mão, ainda a meio, e dirigiu-se a ele.
“Tens lume?” Ele estendeu-lhe o isqueiro, e esperou que ela acendesse o cigarro.
“Posso? As minhas amigas estão... ocupadas... se é que me percebes.”
Ele acenou para um dos bancos junto á mesa, um gesto de aceitação, mas não disse uma palavra. Baixou-se, pegou numa mochila que estava no chão e colocou-a em cima da mesa, abrindo-a. Depois falou finalmente.
“Verifica se vem algum dos empregados. Se algum se dirigir para aqui, avisa-me.”
Ela acenou afirmativamente, sem compreender. Ele meteu ambas as mãos dentro da mochila, e manteve-as lá durante uns momentos, fazendo alguns movimentos. Ela não fazia ideia do que estaria ele a fazer. Uns minutos depois tirou-as, trazendo na mão esquerda o isqueiro, e entre os dedos da direita um cigarro artesanal.
“Queres? Vais adorar dançar depois de fumares isto.”
“O que é?”
“White Widow. Erva. Uma das melhores. Consegui uma boa quantidade dela. Acho que por aqui mais ninguém tem.”
“Isso... é... droga?”
Ele sorriu, um sorriso simples, como se se dirigisse a uma criança.
“Um sorriso inocente.” Pensou ela.
“Quantas pessoas morrem por dia por causa do alcool?”
“Várias”
“Pois. Mas por causa disto, nenhuma. Não bebo, muito obrigado.”
Fumaram, um após o outro. Ela sentia-se fantástica, livre... Bela... Mais bela do que alguma vez se sentira. Quando acabaram ele perguntou:
“Como te sentes?”
“Melhor que alguma vez me senti.”
Ele sorriu. “A musica que pedi entra depois desta. Vou fazer-te sentir ainda melhor. Apenas com uma dança. Nada mais.”
Ela acenou afirmativamente com a cabeça.
“Que musica é?”
Um sorriso desafiador enfeitou o rosto atraente dele.
“Beautifull People. Marilyn.”
“Não és de muitas palavras, pois não?” Perguntou ela com um sorriso provocador.
“Falo por musica. Se estiveres atenta...”
A musica que estava a tocar chegou ao fim. A um gesto dele seguem ambos para o centro da pista, e ela repara, no caminho ele a acenar ao DJ, e a receber um gesto aprovativo.
As primeiras batidas sentem-se de novo no ar. As guitarras. Fairy estava em extase. Sentia a musica em cada parte do seu corpo. Nunca lhe tinha sido tão fácil dançar. Sentia-se livre. A uma certa parte da musica ele chamou-lhe a atenção, e apontou para si próprio.
Ela não percebeu, até que as palavras se ouviram na musica, os lábios dele formando a mesma frase. “I am what you see, something beautiful and something free.”
Ela sorriu, encantada. “Ele é giro, tem estilo... Fala pouco, mas também não é para isso que aqui estou.”
Uma pancadinha no ombro fê-la virar-se para trás. Era a Dariel.
“Hey, hoje é a tua vez. A partir de hoje és mulher. Ou pelo menos devias ser.”
E voltou a dançar com um dos rapazes do grupo mais proximo.
Encolhendo os ombros, Fairy continuou a dançar.
A musica mudou mais uma vez. Ficaram juntos no mesmo sitio, sentindo o som. Movendo-se com ele. O som era mais calmo, mais melódico, mas mesmo assim mantendo partes agressivas. Ela não fazia ideia do nome da musica, da banda, e estava pouco preocupada em saber.
O E.B.M. Inundava a sala, fazia cada um seguir o som.
Fairy estava a divertir-se como nunca, ainda de olhos fechados.
Sentiu um toque no cabelo. Abriu por momentos os olhos. Era ele que lhe acariciava a ponta dos longos cabelos negros. Tornou a fechar os olhos, com um sorriso de prazer na face.
Pouco depois pegou na mão dele e abraçou-o. Ficaram assim, juntos, movendo-se como um só. Os seus corpos pareciam conhecer-se, apesar de nunca antes daquela noite se terem visto. Moviam-se ao mesmo ritmo, os mesmos movimentos. Ela sentia-se bem. Feliz ali...
Ouviu as palavras da musica. “Defuse it... Destroy it... Abuse it and enjoy it...”
“This horrible dream, this horrible nightmare...”
“This wonderfull dream, this wonderfull nightmare...”
Beijaram-se. Um pequeno encontro de lábios, de inicio, suave, desafiador... o beijo tornou-se mais intenso, carregado de desejo... de paixão...
Ela nunca se tinha sentido tão bem ao beijar um rapaz. Sim, tinha acontecido muitas vezes, mas parecia ser diferente agora.
Ficaram ali um bom tempo, as mãos de ambos explorando o corpo desconhecido, beijando-se com intensidade...
Ele beijou o seu pescoço... Ela sentiu-se seduzida, linda, desejada...
Uma pequena dor... Ele mordia suavemente a sua jugular. O seu corpo arrepiou-se de prazer. Sentia as mãos dele ao fundo das costas, tocando a sua pele branca. Subindo um pouco por baixo do top dela... ela meteu a mão por baixo da blusa dele. A sua pele era suave, quase como a de um bébé... Olharam-se nos olhos...
“Olá.” O murmurio dela perdeu-se no som do clube. Viu os lábios dele devolverem-lhe a palavra, com o mesmo sorriso inocente que ela tinha visto há... momentos...? horas...?
O tempo pouco importava. Não sabia quanto tempo tinha passado, não lhe interessava. Tornaram a beijar-se, intensamente...
“Vamos embora...” A voz dela era terna, mas exprimia desejo.
Ele acenou afirmativamente.
“Espera por mim á porta, vou avisar as minhas amigas...”
Novo aceno. Era quase impossivel falar ali sem ter que gritar. Ela duvidou que ele fosse capaz de o fazer.
Demorou uns minutos a encontrar as amigas.
“Fairy, onde raio te meteste?” A Raven parecia preocupada, mas ao ver o seu sorriso, retribuiu, mais calma.
“Hey Raven, a nossa fadinha tem estado muito ocupada quase a fazer sexo com aquele giraço ali na pista.” Dariel ria.
“Vou embora.” Fairy estava embaraçada.
“Claro que vais. E levas isto. Não queremos correr riscos.” E com estas palavras Raven enfiou-lhe no decote uma nota, e dois preservativos.
“Diverte-te.” Raven e Dariel riam cumplicemente.
Fairy saiu dali rapidamente, ansiosa por se livrar dos olhares das amigas.
Ele esperava-a lá fora, cachecol ao vento, olhando o infinito com ar sonhador, enquanto fumava mais um dos cigarros artesanais. Um charro... “Um charro... Eu fumei um charro, vou sair daqui com um rapaz cujo nome nem sei... e não faço ideia do que vai acontecer...”
Sorriu olhando para ele, ali, uns metros á frente, totalmente alheio ao mundo á sua volta.
“Claro que faço...”

Um comentário:

dreamworks disse...

seria mt mais facil se tu te abrisses realmente e deixasses ke se chegasse perto de ti! pença um pouco so e veras ke todos tem razão e ke todos so te kerem bem...