quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

- Preciso de falar.
- Fala.
- É um assunto delicado...
- Acende um charro e fala.
- É a tua solução para tudo?
- Costuma resultar comigo.
- Não sei. No fim os problemas continuam lá.
- Certo. Isso não te impede de pensar neles. Relaxa e conta-me o que se passa.
- Sinto-me estranho.
- Tu és estranho. Sempre pensei que te sentisses assim todos os dias.
- Deixa-me reformular. Sinto-me mais estranho que o normal.
- Que se passa?
- Gosto de alguém.
- Isso é bom não?
- Talvez.
- Então qual é o teu problema?
- Ela tá com outra pessoa.
- A miuda de quem gostas?
- Não. A miuda que larguei.
- E?
- E... não esperava que ela me superasse assim tão depressa.
- Deves pensar que és perfeito não?
- Porque dizes isso?
- Ora... ah e tal, tu podes começar a gostar de alguém, mas ela não.
- Não é isso.
- É. Sabes que é. Estás a comportar-te como um miudo que recebeu um brinquedo novo e não quer deixar o velho ir, mas não o quer para nada. Aprende a deixar as coisas seguirem em frente.
- Talvez seja o melhor.
- Toma, fuma. Ainda gostas dela?
- Admito, ainda me afecta. Sempre me afectou desde que a conheci.
- Sim, e onde te levou isso?
- A lado nenhum... começo a ver onde queres chegar.
- Eu não quero chegar a lado nenhum, só estou a falar. Fala-me dessa miuda.
- De qual?
- Daquela de quem estás a começar a gostar.
- Não é coisa de agora.
- Há quanto tempo a conheces?
- Há mais do que realmente me lembro.
- Mais antiga que a tua memoria destroçada?
- Sim.
- E lembras-te dela bem? Do que passaram juntos?
- Não passamos muito juntos.
- Mas conhece-la...
- Desejo-a há muito.
- Porquê agora?
- Porque não?
- Estás a ser evasivo e sabes que isso comigo não funciona. Vejo através de ti como através de cristal, não te esqueças.
- Então porque me fazes tantas perguntas?
- Porque tu precisas das respostas.
- Mas tu já as sabes.
- Certo. Mas tu precisas de as aprender.
- Para ti sou uma marioneta não?
- Não. Mas és um animal de estimação interessante. Há séculos que não me divertia com um humano.
- Que ganhas tu com tudo isto?
- Para além de me divertir ás custas daqueles que se envolvem contigo?
- Sim, além disso.
- Aprendo.
- Que aprendeste até agora?
- Que posso jogar as minhas cartas bem.
- Hum...
- Mas também que posso simplesmente colocá-las na mesa e desistir, que o jogo não pára por isso. Mas deixa isso. Eu tenho milénios para aprender, tu tens anos para viver uma vida.
- Posso vir a ser como tu?
- Porque quererias tu ser como eu?
- Tu és forte. E inteligente.
- Tu também. Apenas te encontras restrito por amarras que eu já ultrapassei.
- Quero quebrá-las.
- Não. Aprende a viver com elas.
- Mas...
- Mas nada. Tenho mesmo que te explicar tudo?
- Pelos vistos não sou assim tão inteligente.
- Pelos vistos és um bocado cego, mas não deixas de ser inteligente.
- Cego... significa que há algo que eu não tou a ver.
- Olha á volta. Que vês?
- Um quarto. Queres detalhes?
- Não.
- Explica-te.
- Sabes o que eu vejo?
- Não.
- Aprendizagem.
- Era o que eu devia ver?
- Não.
- Não percebo.
- Não era suposto perceberes. Queres uma explicação agora, certo?
- Certo.
- Sabes que não a vais ter, certo?
- Não me surpreende. Consegues enervar-me por vezes.
- Não tem piada enervar-te agora. Se bem que ficas hilariante quando te enervas. Tanto potencial tão mal aproveitado.
- Como queres que o aproveite se nem sequer sei a que potencial te referes.
- Estás a falar comigo certo?
- Certo. Que tem isso a ver com o meu potencial.
- Tudo.
- Apetece-me mandar-te foder.
- Isso é uma necessidade tua, não minha.
- É inutil tentar insultar-te não é?
- Já as ouvi todas.
- Acho que consigo algumas novas para ti se isso te interessa.
- Não, deixa estar. Concentra-te.
- Em quê?
- Não querias falar?
- Começo a questionar isso. Não és o melhor conselheiro do mundo.
- Queres que te diga o quê? Vai em frente e esbarra de novo?
- Não. Quero que me digas precisamente como evitar esbarrar de novo.
- Isso é simples. Não vás em frente.
- Desisto simplesmente?
- Não ouviste nada? Se desistires, o jogo continua na mesma.
- Para ti é tudo um jogo?
- Queres melhor forma de descrever o mundo? É tudo um jogo de interesses. Tudo está ligado, quer essa ligação seja visivel, quer não.
- Nesse ponto tens razão.
- Talvez tenha. Talvez não.
- Pára de te contradizer.
- Pára de me tentar obrigar a dizer-te o que queres ouvir.
- Quem melhor que tu para me dizer o que quero ouvir?
- Tenta um padre. Eu não tenho vocação para isso.
- Estamos a divagar.
- Estamos a aprender.
- Hum...
- Sim?
- Porquê comigo?
- Porque não?
- Pára de ser evasivo, não foi o que me disseste?
- Sim. Mas não estou a ser evasivo. Pensa por momentos. Quais são as probabilidades de algo assim já ter acontecido antes com alguém?
- Quase certas.
- Precisamente. Estás a fazer a pergunta errada.
- Pergunta errada ou não, faz um certo sentido.
- Ok, se queres uma resposta, força. Porquê tu? Porque te meteste nisso.
- Então a culpa é minha?
- De certa forma. Podes desistir já. Queres?
- Não.
- Sabes que te vais meter em problemas se fizeres o que estás a pensar?
- Sei.
- Sabes que possivelmente vais sair magoado?
- Também sei.
- Sabes que nesse caso vais passar umas semanas terriveis a tentar perceber e absorver tudo?
- Sim.
- Então porque raio me estás a chatear?
- Quero saber se há outra forma.
- Não há sempre?
- Adoro as tuas respostas.
- Delicio-me com a tua capacidade para interrogação.
- Que faço agora?
- Que tal escreveres-lhe algo sobre o que sentes? Seria bonito.
- Achas mesmo? Seria ridiculo.
- O amor faz as pessoas tomarem atitudes ridiculas. Tenta é que a tua atitude ridicula seja boa o suficiente para ninguém reparar que o é.
- Obrigado.
- Porquê?
- Por tudo, ou por nada. Como quiseres.
- Vá, pira-te lá para o café. Estás com vontade. Sabes onde me encontrar.
- Sei. Vemo-nos mais tarde.

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