terça-feira, 25 de dezembro de 2007

Ele conversava com o seu pequeno amigo enquanto procuravam uma mesa livre na espaçosa sala de convívio. Por sorte, azar, acaso ou destino, a única que se encontrava livre ficava a um escasso metro do confortável sofá verde onde ela estava sentada com a amiga e um amigo dos três.
Eles sentaram-se, trocaram algumas piadas em inglês sobre o facto de a paixão do seu amigo se encontrar logo ali e de como isso poderia influenciar o jogo de cartas que estavam prestes a começar. Baralharam as cartas, tiraram cada um as suas e começaram o jogo. Era uma tarde de quinta-feira igual a tantas outras, eles estavam ambos livres, e passavam o tempo com o habitual jogo de estratégia que tanto gostavam. Falavam do fim-de-semana que se aproximava, das aulas, da rapariga que o seu amigo gostava. Sempre em inglês, quase em sussurros, tornando quase impossível perceber a sua conversa no meio do barulho de meia tarde da sala de convívio. Era um dia normal.
O amigo delas juntou-se-lhes, observando o jogo deles, esperando o resultado e uma partida com o vencedor. Eles receberam bem o novo elemento presente na mesa, mudando de língua para português e elevando um pouco o tom de voz. O recém-chegado mantinha conversas cruzadas com eles e com as duas raparigas. Ele achou que seria simpático convidá-las a juntarem-se a eles na mesa. Afinal de contas, assim o seu pequeno amigo estaria mais perto daquela por quem estava apaixonado. Na verdade, nem esperava que elas aceitassem o convite. Fê-lo mais para não parecer muito antipático do que para qualquer outra coisa. A sua mente estava ocupada no jogo que decorria, durante o típico impasse dos primeiros turnos. Afinal, que mal faria mais alguma audiência? Não a tinham eles quase todos os dias? Para ele eram mais duas caras no limiar da sua visão.
Para seu espanto elas aceitaram. Ela sentou-se ao seu lado, suficientemente longe para não atrapalhar as destras mãos dele enquanto manipulava as cartas na mesa, mas suficientemente perto para sentir o calor intenso do corpo dele. O tema de conversa fluiu para o ultimo álbum de uma qualquer banda de metal, que “está bastante melhor que o resto, muito mais técnico, mas sem perder a sonoridade característica deles”. Ficou surpreendido ao ouvir a seu lado um “desculpa, mas não concordo, o anterior está bastante mais profundo em termos de letras”. Olhou pela primeira vez para os grandes e expressivos olhos castanhos e para a bela face de pele morena rodeada por um cabelo ondulado de um castanho-escuro brilhante e balbuciou um “desculpa?”.
Falaram durante o resto da tarde, em volta da larga mesa onde as cartas continuavam a prender uma pequena parte da sua atenção, desviada agora para a conversa sobre bandas com a pequena figura proporcionalmente construída e bastante bela.
Chegou a hora de saírem da escola e voltarem para casa. Ele iria mais tarde, pelo que acompanhou o amigo á carrinha que o levaria a casa. Não pensou mais nela nesse dia. Ao chegar a casa já tinha desaparecido da sua memória a pequena ninfa de grandes olhos castanhos cujo nome não sabia.
Faltou o dia seguinte, desculpando-se com uma constipação repentina que estaria curada ao final da tarde, para esconder o estado depressivo em que se encontrava. Não lhe apetecia ver pessoas, muito menos ter aulas.
Não se tornou a lembrar da existência dela até que na segunda-feira de manhã, enquanto fumava o seu primeiro cigarro L&M vermelho do dia, foi surpreendido por uma pequena figura vestida de azul passou por ele desejando-lhe um bom-dia com um sorriso rasgado extremamente encantador e dois beijos na cara. Na verdade, só depois de perguntar ao seu amigo quem ela era é que se voltou a lembrar daquela quinta-feira à tarde.
A semana passou entre as aulas, os simpáticos cumprimentos matinais, algumas pequenas conversas entre ambos, e a aparição da pequena ninfa em quase todos os sítios da escola onde ele se dirigia. Ele não sabia se apenas não reparara nela antes ou se os encontros casuais eram algo mais do que isso. Na verdade, ele pouco se preocupava com tal facto. Não estava habituado a ter atenção de raparigas. Via-se como o puto estranho que toda a gente preferia fingir que não existia. E era assim que estava disposto a continuar. Detestava atrair a atenção, o que contrastava com o seu cabelo pelos ombros, o seu tronco bem definido, as suas pernas fortes, as suas roupas pretas, as suas botas de biqueira de aço e o seu comprido casaco de cabedal. Não era alguém que passasse despercebido, mas era alguém que realmente todos fingiam ignorar, o que para ele era perfeito.
Só na sexta-feira, durante uma aula da tarde a que resolvera faltar por motivos de força maior (havia bebido umas quantas cervejas á hora de almoço, e aturar matemática era a ultima coisa que realmente lhe apetecia), quando o seu amigo chegou junto dele com um sorriso extremamente sarcástico e com uma conversa estranha sobre ele andar a “facturar” é que percebeu que algo diferente se passava. Interrogou-o e ficou a saber que a tal ninfa como ele lhe passara a chamar gostava dele. Alguém do sexo oposto gostar dele era estranho o suficiente, mas quando percebeu realmente o que esse gostar significava é que realmente ficou pasmado. A miúda apaixonara-se por ele. Bonito. Como se ele soubesse o que fazer… Passara-se mais de ano e meio desde que tivera uma namorada. Realmente, o pensamento de ter alguém especial na sua vida era agradável, admitiu. Mas daí a que ele tivesse coragem de lhe dizer algo nesse sentido ia muito. E a possibilidade de ser mero gozo fazia-lhe calafrios.
Passou-se outra semana de bons-dias amigáveis, algumas conversas sem jeito em que nenhum dizia nada de especial, olhares furtivos que se desviavam cada vez que se cruzavam e charros extra para aguentar a pressão antes de ele fazer algo.
Resolveu falar com ela na sexta-feira. Afinal, se corresse mal teria todo o fim-de-semana para arranjar coragem para voltar a cruzar-se com ela. Baldou-se toda a manhã, mandou o seu amigo arranjar o numero de telemóvel dela, comprou haxe. Almoçou na cantina à pressa e desapareceu para fora da escola com o seu amigo, para uns bancos de mármore ali perto. Ao menos ali ninguém veria nada. Teria pelo menos até segunda-feira para se preparar para voltar se algo corresse mal.
Preparou um charro, fumou-o com o amigo e mandou-o desaparecer antes de lhe mandar uma mensagem para ir ter com ele. Durante os cinco minutos que passaram entre o envio da mensagem e vê-la a atravessar o portão sozinha pensou em mil e um motivos para desaparecer dali. Afinal de contas, que diria? Que faria? E se ela não estivesse interessada? E se fosse uma partida de mau gosto?
Procurou nos bolsos do casaco os óculos de sol quando a viu e colocou-os na cara para esconder os olhos vermelhos.
Ela chegou e sentou-se a seu lado com um sorriso nervoso, ao qual ele respondeu com um sorriso forçado. Sentia o estômago ás voltas, a insegurança a tomar conta dele.
- Querias falar comigo?
Aceno afirmativo.
- Diz.
Silencio. Ele ponderava todas as opções. Ambos sentiam a tenção, apesar de ele pensar ser apenas ele a estar nervoso.
- Eu…
As palavras custavam a sair-lhe.
- Eu… gosto de ti…
Novo silencio, quebrado de seguida por ele.
- Não sou o puto mais experiente nestas merdas, portanto vou dizer o que penso e pronto.
Ela sorria, mais calma. Afinal tudo estava bem. Até devia ser engraçado.
- Gosto de ti. Chegar a essa conclusão levou mais do que esperava. Mesmo com os boatos e tudo isso, nada torna esta conversa menos embaraçosa, e o meu jeito com as palavras resume-se a palavras escritas, portanto… ok, nem sei que mais dizer. Sei apenas o que quero fazer.
- E o que queres fazer?
Em vez da resposta que esperava, ela recebeu um beijo suave nos lábios, apenas um leve toque rápido que fez a sua pele morena ficar tão vermelha quanto era possível. Um sorriso enorme rasgou-se nos lábios dela. Abraçou-o de olhos fechados e ouviu a voz dele, agora mais calma no seu ouvido.
- Sabes, eu por acaso nem beijo tão mal como deves estar a pensar agora. Permite-me…
Os seus lábios uniram-se de novo, desta vez num beijo carregado de paixão que se prolongou por minutos que pareceram horas.
Voltaram de mãos dadas para a sala de convívio duas horas depois, todos sorrisos e olhares derretidos. Namoravam.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

- Não te vejo.
- Nem eu a ti.
- Onde estás?
- Aqui.
- Onde é isso?
- Não sei.
- Estás perdido.
- Não. Apenas não sei onde estou.
- Isso é estar perdido.
- Estás perdido?
- Estou.
- Porquê?
- Estou algures a falar com alguém que não vejo.
- Isso também é estar perdido.
- Quem és?
- Não sei.
- És real?
- Sou.
- Como sabes?
- Estou a falar contigo.
- E se fores uma ilusão?
- Seria uma ilusão bastante real.
- Mesmo assim ilusório.
- Sim.
- E eu?
- Tu?
- Sim, eu. Quem sou?
- Sabes?
- Não. Serei tu?
- Não. Tu deves ser tu.
- E se tu e eu estamos aqui...
- Somos reais.
- Existe outra hipotese?
- Existe, mas não quero pensar nela.
- Porquê?
- É assustadora.
- Fala.
- E se formos ambos ilusões?
- Seriamos ilusões bastante reais. Tu mesmo o disseste.
- Se fossemos ilusões de alguém, como teriamos esta conversa?
- Boa pergunta.
- Não somos então ilusões?
- Não disse isso.
- Explica-te.
- E se formos uma ilusão com consciencia?
- Nesse caso temos uma imaginação bastante fertil.
- Ilusões iludidas...
- Ilusões iludidas...

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Que raio querem que eu diga? No fundo eu sei que é tudo um delirio causado por um disturbio bio-quimico, mas parece-me bem mais profundo que isso. A sensação de despersonalização consome-me ao sentir as barreiras a quebrar, impotente assistente à mudança de personagens de uma cena de teatro barato sem qualidade onde o novo personagem nada terá a ver com o anterior, onde não encontro pontos ou ideias comuns e cuja alucinante dança por detrás das cortinas não consigo acompanhar, incauto espectador participante de um jogo perturbado e demente, perdido sem a força para ordenar o caos que criou por vontade de explorar os limites da mente humana sem nunca os ter alcançado por muita dor e perda e desespero e ansiedade e mudança e monotonia e amor e ódio que tenha sofrido e continue a sofrer.

Apetece-me gritar de dor enquanto o frio dilacera as minhas veias, a corrente imparavel do sangue gélido que leva a cada parte do meu corpo um pedaço da dor arrancada da minha mente, permitindo um escape mais fisico ao desespero do vazio apenas preenchido por sentimentos vagos e incertos onde a unica certeza é o desejo de me libertar de tudo o que sinto, de apagar todas as personagens excepto uma, qualquer uma que queira ficar para trás e lidar com o que restou depois da corrupção do ser que há 20 anos nasceu.

São tudo drogas para dormir. Tudo formas de escapar para longe da unica coisa que realmente me faz acordar de noite com suores frios, que me arrepia os pêlos da nuca ao ouvir o seu nome, eu mesmo.
Tudo por ter medo de que parte daquilo que sou se deve a halucinações, a delirios sem qualquer sentido real causados apenas por um desequilibrio bio-quimico, pelos abusos ou por tudo o que não se resume a instruções gravadas num código até hoje ainda maioritariamente indecifrado, neste puzzle desfeito que fui eu.
Fodei-vos com a vossa escrita saudavelzinha e redundantezinha sob regras especificas de forma e construção mas é que não me apetece aturar-vos neste momento quando as barreiras da sanidade se tornam cada vez mais ténues e ameaço a qualquer momento mudar para algo que não posso garantir ser muito melhor do que o pouco que sou agora ou se sequer vai melhorar e não apenas piorar e este pensamento sombrio consome-me por dentro corroendo com a culpa as minhas veias dilaceradas por punhais esquecidos nas sombras numa vã tentativa de esquecer os demonios que tal sacrificio ou demente acto de masoquismo inspiraram nos momentos mais sombrios da dor de ser eu perdido entre todas as mascaras que adopto para esconder a criança pequena que apenas te quer ver feliz e com um sorriso nos lábios porque tu és a coisa mais maravilhosa que alguma vez cruzou o meu caminho e disso nunca duvidei e sei que nunca por mais que procure alguém poderia ocupar o lugar que tu ocupas para mim porque contigo eu podia anular-me e perder-me no mais puro e perfeito acto de contemplação como no mais torrido momento de prazer que nossos corpos possam alguma vez imaginar poder voltar a sentir e seria feliz assim contigo e poderia suportar tudo o que a vida me atirasse pelo caminho se tu estivesses ao meu lado e começo a entrar em redundancia ciclica num momento estranho em que me perdi na essencia de ti novamente e repito a redundancia ciclica porque só tu existes no meu pensamento a cada momento e em cada parte de mim por trás de todas as mascaras onde a pouca distinção sã do real e irreal ainda se manifesta como em todas as máscaras que de irreais nada têm possuindo tudo para ser pessoas felizes num qualquer livro de romance não fosse o seu demente criador as ter condenado do inicio à depressão e à morte reflectindo nelas o seu estado e corrompendo-lhes a essencia até tudo não passar de um nada incerto de duvidas reflectidas.

Foda-se, não sei o que dizer, não sei o que escrevi, not like I fucking care anyways... or do I?